sábado, 16 de maio de 2015

O Homem das Mãos de Seda.

Estava nublado, naquele dia.
Lembro bem, pois as nuvens cinzentas refletiam a maneira como eu me sentia. Andava sozinho por aquelas ruas, a calçada molhada da chuva de ontem.
Pensava em ir a algum lugar, embora o frio me impedisse de pensar com clareza. Ergui a gola do sobretudo e enfiei as mãos no bolso, apressado, sem olhar para frente e xingando as pessoas que, por ventura, esbarravam em mim. Talvez meu humor, tão nublado quanto aquele dia, houvesse me tornado apenas mais um pedaço daquela paisagem.
O bistrô estava cheio quando entrei.
Sentei-me diante do balcão e pedi um café. Esperava que o gosto amargo da bebida trouxesse um pouco de calor ao meu estômago vazio, do qual eu vinha judiando nos últimos dias. É, meu caro. Os dias nublados vêm para todos nós. Virei-me, distraído, para ver se havia alguma mesa vazia. E, naquele instante, meus olhos os encontraram.
Duas pessoas, numa mesinha redonda diante da janela.
A pouca luz do bistrô e a luminosidade branca que vinha de fora os transformou em duas sombras. Lembrei-me dos filmes sem cor de Chaplin. Neste, eu só ouvia risos.
Tentei desviar os olhos para a xícara de café que o garçom deixara diante de mim, mas é claro que a bebida escura não era, nem de longe, a coisa mais fascinante acontecendo ali. Com o canto da vista, eu vi as duas silhuetas mexendo os lábios, numa conversa divertida. O que poderia haver de tão maravilhoso num dia nublado e frio como aquele? Num dado momento, uma delas esticou a mão para tocar o braço da outra, cheia de carinho, e nas minhas eu só senti a textura lisa e fria da porcelana.
Irritei-me. Ora, eu estava tendo um dia decepcionante, não precisava dos outros exibindo sua alegria diante de mim. Eu os invejei como nunca naquele instante, aquelas pessoas ali, perdidas uma nos olhos da outra, com seus dedos entrelaçados. Elas apenas me fizeram recordar, com amargura, dos meus olhos secos que jamais haviam mergulhado nos de alguém, dos meus dedos gelados como seda que há anos haviam esquecido como era o toque da pessoa amada.
Mordi os lábios, queimados pelo café, a borra repousando no fundo da xícara.
Quando fiz menção de me levantar, as silhuetas o fizeram, antes de mim. Trocaram um aperto de mão caloroso com o garçom que as atendera e, então, deram as mãos. Só quando saíram de perto da luz foi que pude ver o rosto dos dois rapazes, sorridentes, cujos ombros se tocavam e cujas mãos de seda, frias como a minha, encontraram uma na outra o refúgio.
Eles saíram juntos, e foi quando abriram a porta que notei algo estranho. Esfreguei os olhos, e então as cores surgiram diante deles, alegres, e senti os raios do sol entrarem pelo vidro. Descobri que as nuvens cinzentas do céu estavam apenas em meus olhos.
Paguei, fui embora, não estava mais com pressa. Sorri.
Andava sozinho por aquelas ruas, a calçada molhada da chuva de ontem.

 
- Laila.


10 comentários:

  1. O calor humano é infinitamente maior e mais quente que qualquer raio de sol. Não a neblina, sombra ou frio que resista à ele. E a beleza da vida está retratada dentro de nós, dentro da nossa história. É só abrir o coração que nossa vida se aquecerá e se iluminará.

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    1. Sim! Foi isto o que pensei ao escrever esse conto.
      Agradeço por ter deixado aqui essas palavras tão bonitas e calorosas :3

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  2. Quão maravilhoso esse conto é. Ler e não se imaginar dentro do mesmo, é impossível. Está de parabéns.

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    1. Muito obrigada!! <3
      Fico feliz de saber que o conto conseguiu transcender o limiar da imaginação. Tão feliz que você tenha gostado!

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  3. Muito bonito, moça! Também gostei bastante do jeito que você descreve o ambiente; praticamente faz a gente mergulhar na história. Parabéns!

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    1. Obrigada, Raphael <33
      Vou melhorar ainda mais nessa descrição do ambiente, já que ficou tão boa assim para você, que leu. De coração, agradeço ^^

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  4. Ótimo texto! Descritivo do jeitinho que eu gosto. ^^ Parabéns!

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    1. Muito obrigada, Simone <3
      Pretendo fazer mais textos como esse, que falem de situações esporádicas, em lugares diferentes, em circunstâncias novas...
      Agradeço muito ^^

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  5. Bom. Bonito. Sobra adjetivos. Tem potencial, mas falta vísceras! Há esperança, há um dia melhor que surge, há o sol, há pessoas que se amam sem preconceitos bobos... Mas é aí que está o perigo do comercial de margarina... Onde estão as vísceras?

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    1. Hahahaha, faltaram tripas!
      Está anotado para os próximos contos e crônicas, visitante. Obrigada pelos adjetivos positivos :3

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