Os corredores do hospital estavam mergulhados em silêncio.
Lembro bem, pois eu conseguia ouvir o som dos minutos que se arrastavam. O relógio da parede ria da minha pressa... Ele sabia que eu dependia de sua disposição.
Já era tarde, mas eu não sentia sono. A cortina estava aberta, eu via as estrelas lá fora. Sentei-me na poltrona ao lado da maca, encolhi as pernas e peguei a mão da minha amiga, que pendia para fora do lençol branco.
Ah, como ela estava gelada. Seu rosto estava pálido, os olhos estavam cerrados e as pontas de seus dedos estavam azuis. Bem diferente de quando eu a havia encontrado naquela tarde, mergulhada numa banheira, com toda a água quente tingida de vermelho. O braço encostado à parede, todo marcado e dilacerado, os olhos vazios, o momento em que eu escorreguei quando pisei na lâmina ensanguentada que ela havia deixado cair.
Fechei os olhos e apertei ainda mais os dedos dela entre os meus.
O som da sirene da ambulância ainda martelava em meus ouvidos. Era o som da tristeza, da desgraça, da dor, da surpresa. Perdi minutos preciosos tentando enxergar as teclas certas no celular, as lágrimas turvavam a minha visão. Nem tive tempo de prestar atenção no choro dos pais dela, na surpresa em seus olhos, na pergunta entalada em suas gargantas. Não prestei atenção, pois era a mesma que estava entalada na minha. Por que ela faria isso?
De repente, a raiva cresceu em mim e soltei a mão dela.
Como ela podia fazer uma coisa dessas? Sem falar nada com ninguém, sem dar qualquer sinal? Escondida, de tudo e todos, era como se ela houvesse planejado isso. Ela, que era como uma extensão de mim mesma, que sempre foi a outra metade da minha própria sombra. Eu me senti traída, desamparada, como se ela estivesse tentando me largar aqui, sem mais nem menos.
Se ela me falou, eu não ouvi. Talvez eu não quisesse ouvir, não quisesse pensar que aquilo poderia ser, um dia, possível. Não é essa a nossa tendência natural? Fugir da dor... Simplesmente porque ela dói. E não queremos senti-la, embora ela faça parte da vida.
Suspirei, enquanto uma de minhas mãos deslizava ao bolso da calça e pegava, dali, um objeto de metal. A lâmina pareceu fria e pesada entre meus dedos, e olhava para mim com deboche. Meus olhos claros correram para meus próprios braços descobertos, e senti um embrulho no estômago.
Passei a ponta dos dedos sobre as minhas próprias cicatrizes, as mesmas que, dali a alguns dias, eu veria nos braços da minha amiga. Elas havia sido deixadas ali por uma lâmina diferente, mas foram originadas pela mesma dor. E eu as escondera, assim como ela fizera com seus sentimentos.
Talvez fosse minha culpa. Eu havia dito a ela que ela nunca seria capaz de entender a minha dor.
Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto enquanto eu pegava novamente a mãozinha fria dela entre as minhas. Jurei de todas as maneiras possíveis que estaria lá para ela, que não a deixaria sozinha, que sua vida valia alguns minutos dos meus dias. Mesmo que eu fechasse os olhos, as cicatrizes ainda estariam lá. Ah, céus, eu só queria que ela melhorasse logo.
Naquela noite, eu só pude ouvir a respiração fraca dela e o som dos minutos se arrastando. O relógio da parede ria da minha pressa...
- Laila.
Lembro bem, pois eu conseguia ouvir o som dos minutos que se arrastavam. O relógio da parede ria da minha pressa... Ele sabia que eu dependia de sua disposição.
Já era tarde, mas eu não sentia sono. A cortina estava aberta, eu via as estrelas lá fora. Sentei-me na poltrona ao lado da maca, encolhi as pernas e peguei a mão da minha amiga, que pendia para fora do lençol branco.
Ah, como ela estava gelada. Seu rosto estava pálido, os olhos estavam cerrados e as pontas de seus dedos estavam azuis. Bem diferente de quando eu a havia encontrado naquela tarde, mergulhada numa banheira, com toda a água quente tingida de vermelho. O braço encostado à parede, todo marcado e dilacerado, os olhos vazios, o momento em que eu escorreguei quando pisei na lâmina ensanguentada que ela havia deixado cair.
Fechei os olhos e apertei ainda mais os dedos dela entre os meus.
O som da sirene da ambulância ainda martelava em meus ouvidos. Era o som da tristeza, da desgraça, da dor, da surpresa. Perdi minutos preciosos tentando enxergar as teclas certas no celular, as lágrimas turvavam a minha visão. Nem tive tempo de prestar atenção no choro dos pais dela, na surpresa em seus olhos, na pergunta entalada em suas gargantas. Não prestei atenção, pois era a mesma que estava entalada na minha. Por que ela faria isso?
De repente, a raiva cresceu em mim e soltei a mão dela.
Como ela podia fazer uma coisa dessas? Sem falar nada com ninguém, sem dar qualquer sinal? Escondida, de tudo e todos, era como se ela houvesse planejado isso. Ela, que era como uma extensão de mim mesma, que sempre foi a outra metade da minha própria sombra. Eu me senti traída, desamparada, como se ela estivesse tentando me largar aqui, sem mais nem menos.
Se ela me falou, eu não ouvi. Talvez eu não quisesse ouvir, não quisesse pensar que aquilo poderia ser, um dia, possível. Não é essa a nossa tendência natural? Fugir da dor... Simplesmente porque ela dói. E não queremos senti-la, embora ela faça parte da vida.
Suspirei, enquanto uma de minhas mãos deslizava ao bolso da calça e pegava, dali, um objeto de metal. A lâmina pareceu fria e pesada entre meus dedos, e olhava para mim com deboche. Meus olhos claros correram para meus próprios braços descobertos, e senti um embrulho no estômago.
Passei a ponta dos dedos sobre as minhas próprias cicatrizes, as mesmas que, dali a alguns dias, eu veria nos braços da minha amiga. Elas havia sido deixadas ali por uma lâmina diferente, mas foram originadas pela mesma dor. E eu as escondera, assim como ela fizera com seus sentimentos.
Talvez fosse minha culpa. Eu havia dito a ela que ela nunca seria capaz de entender a minha dor.
Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto enquanto eu pegava novamente a mãozinha fria dela entre as minhas. Jurei de todas as maneiras possíveis que estaria lá para ela, que não a deixaria sozinha, que sua vida valia alguns minutos dos meus dias. Mesmo que eu fechasse os olhos, as cicatrizes ainda estariam lá. Ah, céus, eu só queria que ela melhorasse logo.
Naquela noite, eu só pude ouvir a respiração fraca dela e o som dos minutos se arrastando. O relógio da parede ria da minha pressa...
- Laila.
E como seria se morrer literalmente não fosse mais uma possibilidade de fuga? O que se faz com a angústia em vida?
ResponderExcluirTalvez um Anjo faça perceber que há dores piores... E que, lá no fundo, você se importava com a vida. Mesmo a sua, mesmo a dos outros.
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