quarta-feira, 19 de agosto de 2015

Escorregadia.

Já gostei de muita gente.
Nunca entendi, porém, como isso podia acontecer tão de repente.
Pessoas, que nunca vi. Vozes, que nunca ouvi. Presenças, que não pedi.
Quando me dava conta, sorria...
Estranhos, todos fomos, todos somos, cruzando olhares de modo incerto.
Subitamente, algo latente, uma vontade nova de estar...
Sempre perto.
O sentimento é esperto. Inquieto, pois se escondia...
Meu gostar nunca foi reto. Oscilava, feito raiva, oceanos.
Fiquei ali, cheia de afeto, tão perdida quanto o passar dos anos.
E entre rostos passageiros, momentos rasos, nunca inteiros...
Você ficou. Entre sorrisos, colapsos, emoções em desfiladeiros.
De você, não mais gostava. Eu amava, e não sabia...
Tempos francos, insanos, em que eu esquecia meu próprio nome.
Pensava em você, comigo, virava noites, insone.
Em tardar, com meus encantos, cega estava, não vi os danos.
Apaixonada, machucada, eu chorava, fazia planos...
Cada porta fechada me feria.
Já gostei de muita gente, e você foi diferente.
Levou tudo, hoje sou fria, e só queria olhar para frente...
Ultimamente, deixo meus beijos e meus abraços em amizade.
Continuo sentindo o gosto bom desta nossa similaridade.
Ainda espero, escorregadia, pelas voltas irônicas da vida, é verdade.
Sei que amar é só um jogo, mas pensei, quem sabe...
Um dia.


quinta-feira, 23 de julho de 2015

As Marcas no Lençol Branco.

Ele se sentou na cadeira, impaciente.
A única luz que o alcançava era a do abajur, no criado de madeira ao lado da cama. Havia levantado, inquieto, a mente fervilhava e não permitia que o sono chegasse perto.
A página em branco na tela do computador olhava para ele, impaciente. O cursor piscava, desafiando-o, enquanto ele mordia o lábio em busca de inspiração. A janela do quarto estava aberta, deixando entrar a brisa gelada de inverno. Sobre o que escreveria? Ele ainda não sabia dizer.
Já estava cansado de falar de folhas em branco, de estrelas que ele via ao fechar as cortinas, de amores que seu corpo e sua cama jamais haviam conhecido. Tampouco saberia falar de alegria, há tanto tempo ela não lhe fazia uma visita. Não haviam garrafas vazias ou mesmo um mísero cinzeiro ao lado da escrivaninha, ele não era igual aos personagens sobre os quais escrevia em seus livros. Mesmo em sua ausência de realidade, eles tinham algo para contar - diferente dele e de suas mãos trêmulas, diante da tela vazia do computador.
Sentindo-se vazio, ele se levantou.
Caminhou até o parapeito da janela, em busca de amparo. As mãos se prenderam ali e apertaram, ele sentiu a tensão que subia por seus braços descobertos. Suspirou, enquanto uma das mãos deslizava pela nuca e, depois, pelos fios negros do cabelo. Desfez um cacho. Sentiu-se sozinho, de repente, e desejou muito uma companhia. No entanto, o quarto à sua volta estava vazio, tão vazio quanto ele.
Passou os dedos pelo rosto e teve consciência das olheiras fundas, do nariz torto, da pequena cicatriz escondida no canto do lábio inferior. E, então, entendeu o silêncio que reinava ali - quem era ele para desejar que fosse diferente? Seu nome era apenas um sussurro que as estrelas ouviam, seu corpo estava apenas nas marcas que ele deixava nos lençóis brancos. Nem mesmo era poeta, pensava, era apenas alguém que sabia combinar as palavras.
Tinha, porém, duas faces. Era bom, mas sabia como se tornar vilão. E sabia que as pessoas tinham medo das palavras, de como seus cantinhos afiados podiam abrir feridas. E nem sempre elas se fechavam, nem sempre as cicatrizes sumiam. E, no momento em que ele abriu seus olhos claros pela última vez, tive certeza de que ali estava uma das minhas próprias marcas.
Assustada, abri os olhos e levantei.
A única luz que me alcançava era a do abajur, no criado de madeira ao lado da cama. Meus dedos dedilharam as cortinas e abriram as janelas, mas não encontrei as estrelas - o sol já estava nascendo, à leste. Eu não tive a chance de ouvi-las sussurrar o nome dele.
Ele que, em sua ausência de realidade, foi apenas um sonho que tive.

- Laila.



sábado, 6 de junho de 2015

O Dia Em Que Ela Viu Meu Rosto.

Há muito tempo atrás, eu te vi. Tal como Bem-Te-Vi, cantei.
Meus olhos escuros se perderam na claridade dos seus. Nas cascatas douradas de você, fluidas, com cheirinho de morango.
Pensei que, desta vez, este meu coração mestiço havia encontrado seu espaço em alguém.
No entanto, como um feitiço, há sempre um encantamento que o desfaz.
Durante anos eu amei, me encantei, me encontrei em você. Ilusões, quem sabe.
Mas foram anos bonitos, eu diria, como dias de sol propícios à felicidade.
Por tantos anos, esta dança, semelhança, misturadas em amizade.
Fomos levando, estas andanças, ignorando a vaidade. Permeava, silenciosa, a minha paz.
Trago as marcas, cicatrizes, destes tempos de juventude, de choro, em parte...
Eu e você, felizes, enquanto eu era a válvula fixa do seu escape...
Talvez as pessoas não fossem tão rasas, talvez você fosse um pouco vazia.
E eu, oceano, era o único recipiente em que a sua angústia cabia...
Você se esqueceu, porém, que todo recipiente pode transbordar. Nem eu fui capaz.
Nos momentos em que eu fui cuidado, você descaso.
Das poucas vezes em que precisei, você faltou.
Nos vários dias em que esperei, você nunca mais voltou.
E no mais tardar, fui ironia, e você, um evento ao acaso.
Faltei a mim mesma, pois você precisava que eu estivesse em outro lugar.
Lá fiquei, como um rochedo, enquanto as ondas da sua alma batiam, voltavam, batiam, voltavam...
À deriva, flutuei, sem saber onde ia chegar. Sem saber se queria, de fato, chegar.
Vi tantas coisas, tantas cores, tantos desamores, todos os fantasmas que te assolavam.
Inspirei fundo, coragem, para saltar ao mar tempestuoso em que você se afogava.
Até perceber, enfim, que você nunca precisou da minha mão estendida. Era eu quem engolia água...
No mais, aprendi a nadar, depois de chegar aos abismos, olhei a superfície e quis voltar.
Tal como as ondas, nunca mais fui a mesma, em nenhuma praia em que quebrei.
O borrão loiro do sol, no canto dos olhos, esperava por mim. Ignorei.
As feridas precisam se curar, a dor precisa sair, e em meu desespero, deixei.
O tempo engana, ele não ama, até quando você achou que eu ia suportar?
Espere aqui, enquanto recolho os pedaços de mim que você deixou cair, lá atrás...
Voltarei?


 
- Laila. 


domingo, 24 de maio de 2015

O Anjo Que Não Sentia Dor.

Os corredores do hospital estavam mergulhados em silêncio.
Lembro bem, pois eu conseguia ouvir o som dos minutos que se arrastavam. O relógio da parede ria da minha pressa... Ele sabia que eu dependia de sua disposição.
Já era tarde, mas eu não sentia sono. A cortina estava aberta, eu via as estrelas lá fora. Sentei-me na poltrona ao lado da maca, encolhi as pernas e peguei a mão da minha amiga, que pendia para fora do lençol branco.
Ah, como ela estava gelada. Seu rosto estava pálido, os olhos estavam cerrados e as pontas de seus dedos estavam azuis. Bem diferente de quando eu a havia encontrado naquela tarde, mergulhada numa banheira, com toda a água quente tingida de vermelho. O braço encostado à parede, todo marcado e dilacerado, os olhos vazios, o momento em que eu escorreguei quando pisei na lâmina ensanguentada que ela havia deixado cair.
Fechei os olhos e apertei ainda mais os dedos dela entre os meus.
O som da sirene da ambulância ainda martelava em meus ouvidos. Era o som da tristeza, da desgraça, da dor, da surpresa. Perdi minutos preciosos tentando enxergar as teclas certas no celular, as lágrimas turvavam a minha visão. Nem tive tempo de prestar atenção no choro dos pais dela, na surpresa em seus olhos, na pergunta entalada em suas gargantas. Não prestei atenção, pois era a mesma que estava entalada na minha. Por que ela faria isso?
De repente, a raiva cresceu em mim e soltei a mão dela.
Como ela podia fazer uma coisa dessas? Sem falar nada com ninguém, sem dar qualquer sinal? Escondida, de tudo e todos, era como se ela houvesse planejado isso. Ela, que era como uma extensão de mim mesma, que sempre foi a outra metade da minha própria sombra. Eu me senti traída, desamparada, como se ela estivesse tentando me largar aqui, sem mais nem menos.
Se ela me falou, eu não ouvi. Talvez eu não quisesse ouvir, não quisesse pensar que aquilo poderia ser, um dia, possível. Não é essa a nossa tendência natural? Fugir da dor... Simplesmente porque ela dói. E não queremos senti-la, embora ela faça parte da vida.
Suspirei, enquanto uma de minhas mãos deslizava ao bolso da calça e pegava, dali, um objeto de metal. A lâmina pareceu fria e pesada entre meus dedos, e olhava para mim com deboche. Meus olhos claros correram para meus próprios braços descobertos, e senti um embrulho no estômago.
Passei a ponta dos dedos sobre as minhas próprias cicatrizes, as mesmas que, dali a alguns dias, eu veria nos braços da minha amiga. Elas havia sido deixadas ali por uma lâmina diferente, mas foram originadas pela mesma dor. E eu as escondera, assim como ela fizera com seus sentimentos.
Talvez fosse minha culpa. Eu havia dito a ela que ela nunca seria capaz de entender a minha dor.
Senti as lágrimas escorrendo pelo meu rosto enquanto eu pegava novamente a mãozinha fria dela entre as minhas. Jurei de todas as maneiras possíveis que estaria lá para ela, que não a deixaria sozinha, que sua vida valia alguns minutos dos meus dias. Mesmo que eu fechasse os olhos, as cicatrizes ainda estariam lá. Ah, céus, eu só queria que ela melhorasse logo.
Naquela noite, eu só pude ouvir a respiração fraca dela e o som dos minutos se arrastando. O relógio da parede ria da minha pressa...



- Laila.

sábado, 16 de maio de 2015

O Homem das Mãos de Seda.

Estava nublado, naquele dia.
Lembro bem, pois as nuvens cinzentas refletiam a maneira como eu me sentia. Andava sozinho por aquelas ruas, a calçada molhada da chuva de ontem.
Pensava em ir a algum lugar, embora o frio me impedisse de pensar com clareza. Ergui a gola do sobretudo e enfiei as mãos no bolso, apressado, sem olhar para frente e xingando as pessoas que, por ventura, esbarravam em mim. Talvez meu humor, tão nublado quanto aquele dia, houvesse me tornado apenas mais um pedaço daquela paisagem.
O bistrô estava cheio quando entrei.
Sentei-me diante do balcão e pedi um café. Esperava que o gosto amargo da bebida trouxesse um pouco de calor ao meu estômago vazio, do qual eu vinha judiando nos últimos dias. É, meu caro. Os dias nublados vêm para todos nós. Virei-me, distraído, para ver se havia alguma mesa vazia. E, naquele instante, meus olhos os encontraram.
Duas pessoas, numa mesinha redonda diante da janela.
A pouca luz do bistrô e a luminosidade branca que vinha de fora os transformou em duas sombras. Lembrei-me dos filmes sem cor de Chaplin. Neste, eu só ouvia risos.
Tentei desviar os olhos para a xícara de café que o garçom deixara diante de mim, mas é claro que a bebida escura não era, nem de longe, a coisa mais fascinante acontecendo ali. Com o canto da vista, eu vi as duas silhuetas mexendo os lábios, numa conversa divertida. O que poderia haver de tão maravilhoso num dia nublado e frio como aquele? Num dado momento, uma delas esticou a mão para tocar o braço da outra, cheia de carinho, e nas minhas eu só senti a textura lisa e fria da porcelana.
Irritei-me. Ora, eu estava tendo um dia decepcionante, não precisava dos outros exibindo sua alegria diante de mim. Eu os invejei como nunca naquele instante, aquelas pessoas ali, perdidas uma nos olhos da outra, com seus dedos entrelaçados. Elas apenas me fizeram recordar, com amargura, dos meus olhos secos que jamais haviam mergulhado nos de alguém, dos meus dedos gelados como seda que há anos haviam esquecido como era o toque da pessoa amada.
Mordi os lábios, queimados pelo café, a borra repousando no fundo da xícara.
Quando fiz menção de me levantar, as silhuetas o fizeram, antes de mim. Trocaram um aperto de mão caloroso com o garçom que as atendera e, então, deram as mãos. Só quando saíram de perto da luz foi que pude ver o rosto dos dois rapazes, sorridentes, cujos ombros se tocavam e cujas mãos de seda, frias como a minha, encontraram uma na outra o refúgio.
Eles saíram juntos, e foi quando abriram a porta que notei algo estranho. Esfreguei os olhos, e então as cores surgiram diante deles, alegres, e senti os raios do sol entrarem pelo vidro. Descobri que as nuvens cinzentas do céu estavam apenas em meus olhos.
Paguei, fui embora, não estava mais com pressa. Sorri.
Andava sozinho por aquelas ruas, a calçada molhada da chuva de ontem.

 
- Laila.


domingo, 3 de maio de 2015

O Massacre dos Mestres

Barbaridades acontecem, meu amigo.
Algumas nos fazem o queixo cair, outras não. O que aconteceu no Paraná no dia 29 de abril, porém, foi além de todo o meu entendimento acerca do absurdo.
Neste dia, houve um manifesto de professores e servidores estaduais. A indignação girava em torno da votação de um projeto de lei, criado pelo governador Beto Richa, que autorizava o governo estadual a fazer mudanças no fundo de previdência dos servidores públicos e estaduais.
Houve uma concentração de manifestantes no Centro Cívico de Curitiba, que protestava contra a aprovação desse projeto de lei. Teoricamente, a PM do Paraná só atacou os manifestantes quando os mesmos romperam a barreira policial que havia sido formada em volta da Assembleia.
Eu me pergunto, amigo, será que não existe algo de muito errado aqui?
Primeiramente, a Assembleia é um local que deveria representar os interesses do povo, aquilo que é melhor para ele. Foi dito que os professores e servidores estaduais portavam materiais perigosos, que podiam machucar, mas não se pode comparar isso aos recursos que possui a polícia! A polícia tinha armas, eles não tinham. A polícia tinha cachorros, eles não tinham. Assim como ela também tinha bombas de gás lacrimogêneo, balas de borracha e outras coisas de efeito moral, eles não tinham.
Ora, talvez fosse a hora de o governo do Estado rever suas estratégias de negócio. Afinal, no próprio mundo dos negócios, a regra é negociar, não sair reprimindo o outro lado.
Houve a presença de cães da raça Pitbull em posse da polícia, e um deles atacou um cinegrafista, mordendo sua perna. Esses cães são instáveis e seu uso pela polícia é polêmico, contestável. Além do mais, o que há de tão perigoso nos professores e servidores a ponto de Pitbulls serem necessários para contê-los?

    (Fonte: www.pragmatismopolitico.com.br)

Meu amigo, tenho minhas dúvidas se os professores estavam lá para brigar. Eles são educadores, são mestres, não guerreiros armados. Sendo assim, onde é que se encaixava a brutalidade da resposta da polícia do Paraná contra eles? Fora mais de 200 feridos, alguns policiais, mas em sua maioria civis. Isso, sim, é barbaridade!
Todos nós sabemos, é claro que sabemos, que a Educação é desprezada em nosso país. O Brasil não dá valor a seus professores, não lhes dá um salário decente nem mesmo condições decentes de trabalho. Quando um jovem diz a seus pais que sonha em ser professor, os mesmos se viram para ele e perguntam, com ar de desespero "você tem certeza?".
Talvez o governador Beto Richa não entenda, mas algumas coisas precisam mudar.
Eu, como aluna, fiquei horrorizada ao saber do que havia acontecido. Não vivo mais no Paraná, mas passei 12 anos da minha vida por lá, e foi lá que tive muitos dos meus professores. É difícil descrever o meu desespero ao saber que antigos mestres meus haviam ido a esse manifesto, que alguns, inclusive, haviam se machucado. Mestres que eu tanto admirei, que eu tanto respeitei, que eu tanto sonhei em ser como eles. Mestres que eu amei, e eu não sabia o que havia acontecido com eles.
Eu sonhava com as mãos de giz, não com as mãos de sangue.


    (Fonte: farofafa.cartacapital.com.br)

A nossa situação é vergonhosa, meu amigo, mas o povo brasileiro está começando a perder o medo da polícia, das autoridades. Isso é muito bom, se eles se lembrarem do bem maior pelo qual estão lutando.
Nos países desenvolvidos, a Educação é o grande pilar. Aqui no Brasil, com tanta repressão e desprezo, esta é uma lição que ao governo não foi ensinada ainda. No final, tudo se encerra em uma sala de aula. Não há como fugir.
O engenheiro que projetou o nosso prédio foi formado por um professor. O médico que nos atende foi formado por um professor. O piloto do avião que você pegou foi formado por um professor. Seus próprios pais foram formados por um professor. Os nossos políticos foram formados por um professor (ou não, vai saber né). Se eles são bons ou não naquilo que fazem, depende de quão bom está o pilar do qual eles vieram. O que é que estamos fazendo para que as coisas mudem?
Não feche os olhos, meu amigo. A violência está aqui, à nossa volta. Mantenha-os bem abertos.

 
- Laila. 

 

domingo, 26 de abril de 2015

Não falar é fácil...

Quantos problemas, meu amigo, você está guardando somente para si?
Se a sua resposta para mim for nenhum, então nós teremos a prova de que alienígenas existem! Todos os seres humanos possuem problemas, não há nada de errado nisso.
Amigo, eu lhe conto - quantos problemas já não tentaram me sufocar! Eu corria, me escondia, fechava os olhos, pois eles tinham muitas caras e algumas eram muito assustadoras. Não me adiantava fingir que eles não existiam. Deitada em minha cama, eu os via pendurados no teto. Olhando pela janela, eu os via flutuando na rua, em meio às pessoas. Mesmo sozinha nas ruas não tinha paz - eles me rondavam como mosquinhas irritantes. Cruz-Credo! Como poderia fugir desses fantasmas, muitos deles entregues a mim por outras pessoas? Como eu poderia, amigo, mandá-los embora do lugar onde deveria morar a coragem?
Sempre pensei que a coragem era como a idade, algo que eu ganharia com o tempo. No entanto, qual foi minha surpresa quando descobri que, se eu a quisesse, deveria conquistá-la! Teria que encarar meus fantasmas de frente, não havia atalho. Era uma estrada única, contínua - e os obstáculos deveriam ser retirados pelas minhas mãos, e de mais ninguém.
Ah, meu querido amigo, eu pensava que poderia guardar esses fantasmas somente para mim. Eu pensei que era forte o bastante para isso, tentei ser o mais forte que eu conseguia. Por muito tempo, fui capaz de esconder em mim as palavras. No entanto, os ombros curvados e os olhos cansados eram outra história - eu não conseguia escondê-los dos olhos à minha volta. Os fantasmas eram reais, meu amigo, eram maldosos. Tiravam meu sono, minha fome, minha energia.
Ao contrário do que muitos pensam, falar não é fácil! Amigo, falar é admitir a existência dos fantasmas e olhar direto para eles! É doloroso, é constrangedor, é necessário! As palavras, porém, podem libertar - tirar esse peso de nós. Todos nós temos um limite, meu amigo, e precisamos respeitá-lo. Uma ponte de madeira pode suportar as pessoas sobre ela durante quantos anos for, mas, se você colocar um avião em cima dela, ela vai quebrar e todos esses anos serão perdidos.
Deite-se aqui comigo, amigo, fale, deixe que as palavras levem embora esses fantasmas.
Estou ouvindo.



- Laila.

sábado, 18 de abril de 2015

O Bicho-da-Seda (The Silkworm)

Amigo! Você não vai acreditar!
Sente-se aqui comigo, deixe-me contar a você as minhas recentes aventuras...
Há poucos dias, eu me aventurei num pedaço do paraíso, que é popularmente conhecido como livraria. Procurava um novo bebê de capa dura para a minha estante, uma história nova, que fosse empolgante, divertida, ao menos enquanto durasse em minhas ávidas mãozinhas.
Eis que o encontro, meu amigo. Seu nome é "O Bicho-da-Seda", escrito por Robert Galbraith.
Trata-se de um romance policial, que narra a investigação de um crime pelo detetive particular Cormoran Strike e sua parceira, Robin Ellacott.
Para se inteirar do início da relação entre o detetive e a moça, recomendo-te ler "O Chamado do Cuco", querido amigo, a primeira aventura de Strike.
Neste livro, o detetive Cormoran Strike é contratado pela esposa de um homem desaparecido, Owen Quine, escritor, cuja personalidade peculiar levanta muitas possibilidades para seu desaparecimento. O detetive, após começar a investigação, percebe que o sumiço de Quine pode não ser um caso tão simples como parecia - ele descobrirá que o romancista foi brutalmente assassinado, de uma maneira que Strike jamais imaginaria ver na vida.
Ele se apega à principal informação que possui sobre o homem - Quine havia escrito um livro no qual, segundo lhe haviam dito, descrevia de maneira rude e venenosa todos aqueles que conhecia e que frequentavam seu círculo social. Sendo assim, havia motivos suficientes para que alguém desejasse eliminá-lo. No entanto, quem seria capaz de cometer um crime tão brutal, assustador e friamente planejado?
Amigo, permita-se algumas horas de curiosidade e mergulhe nessa investigação ao lado do detetive de um metro e noventa e sua parceira, Robin, uma moça perspicaz e atraente que, ao longo da narrativa, precisa descobrir uma maneira de conciliar sua paixão pelo meio investigativo e a relação com o noivo, Matthew, que suspeita existir algo mais que profissional entre ela e o chefe, Cormoran.
Ah, meu amigo, arrisco dizer que você vai gostar muito do detetive Strike. Com seu jeito ponderado e sua memória impressionante, o grandalhão vai enfrentar alguns fantasmas de seu passado, como seu antigo amor, Charlotte, ao mesmo tempo em que descobre uma empatia inesperada com Robin e bate de frente com a descrença da polícia.
Será que Strike encontrará a verdade a tempo, mais uma vez? Talvez nem ele acredite nisso...

- Laila.


segunda-feira, 13 de abril de 2015

Os pântanos de um dia de sol...

Amigo, não me entenda mal. Não sou engenheira, mas aprendi uma coisa ou outra sobre os caminhos dessa vida...
Estava eu, há poucos dias, caminhando em um parque. Sequer reparei em seu nome, em letras garrafais na entrada - o céu azul me distraiu. O sol brilhava, as famílias sorriam, os cachorros pulavam e corriam, arrastando seus pequeninos donos com eles.
Ah, como eu gosto do sol! Quando ele brilha, os celulares ficam cegos e as pessoas se lembram de abrir os olhos. Elas descobrem que, ao redor, há outros como elas, que anseiam por diversão, por carinho, por segredos compartilhados à sombra das árvores.
Nem te conto, meu amigo, quantas coisas já descobri sobre a gente que nunca havia imaginado!
Durante meu passeio, encontrei uma coisa que destoava um pouco da atmosfera alegre.
Ah, você não faz ideia da raiva que havia no rosto dela. Ela estava sentada num banco de madeira, de frente para o sol, mas nem ele surtia efeito em seu humor negro. Seus ombros estavam curvados, as mãos estavam escondidas no colo e seus cabelos cobriam metade de suas feições. Ah, amigo, a curiosidade me fez parar para observar, é claro. De um jeito incomum, senti como se os olhos escuros dela pedissem uma companhia - ela estava sozinha. Não somente sozinha, mas se sentindo sozinha, e isto é algo que nenhuma pessoa deveria sentir.
As pessoas passavam por ela, mas não a viam - ela havia construído um verdadeiro fosse em volta dela. Com água de pântano, crocodilos e uma porta levadiça que, naquele instante, estava fechadíssima. Talvez ela quisesse alguém ao seu lado, mas não estava deixando ninguém chegar perto - havia construído seu próprio muro.
Ah, meu querido amigo, por que as pessoas fazem isso? Por que é que elas criam essa atmosfera para si mesmas? Elas se isolam, se escondem, e depois não entendem por que os outros não conseguem chegar até elas. Os seres humanos alcançaram esse infeliz estágio - não confiamos mais em nós mesmos. Afinal, é mais fácil erguer paredes do que estender pontes - as pessoas que adivinhem o que se passa conosco.
Apesar de tudo, amigo, eu nunca fui dada a comodismos. Detesto adivinhações. Sendo assim, pulei os crocodilos, cortei as cordas que fechavam a porta levadiça e, quando ela caiu, sentei-me ao lado dela e lhe ofereci um sorriso.
A solidão é uma escolha, meu amigo. Abra as portas de sua fortaleza, o céu está lindo lá fora.

- Laila.


sábado, 4 de abril de 2015

Sigo em frente, arrasto a mente...

Amigo, posso emprestar seu ombro por um minutinho?
Preciso lhe contar. Há poucos dias, eu descobri que as respostas que eu tanto procuro podem estar escondidas nos momentos mais improváveis. Sentada estava, olhando para o vazio, enquanto mãos experientes deslizavam pelos fios de meu cabelo e o som da tesoura ecoava em meus ouvidos. Pelo canto do olho, eu via as pontas caindo no azulejo branco do chão. Meus ouvidos estavam ocupados - eles escutavam às histórias contadas pelo dono daquelas mãos.
Apesar do abismo entre nossas idades, nossos problemas eram quase irmãos - falavam do coração, aquele pilantra, que só servia para confundir nossas cabeças! É, meu amigo, nem todos somos tão diferentes assim. Aquele era, agora, nosso reino. A incerteza era rainha, o medo era príncipe e a dúvida era a sombra que nos seguia pelo quarto, pelas ruas, pelas noites que estávamos passando em claro.
Ele contou aos meus ouvidos sobre um sentimento que vivia - não sabia se era certo, se podia confiar nele. O sentimento podia traí-lo, deixar sua cara no chão. Ora, amigo, quantos de nós já não vivemos essa mesma situação? Tão logo minha imaginação começou a voar, pensamos juntos em todos os finais que aquilo poderia ter. Sem bola de cristal, era só o que restava fazer. Meus ouvidos o compreendiam, eu também vivia aquela dúvida. Havia alguém, longe de mim, que sequer imaginava as tempestades que causava em meu coração. No entanto, o dono das mãos possuía algo que eu não tinha - uma coisinha chamada coragem.
Diferente de mim, ele percebeu que não podia mais guardar aquilo somente para si. Esse alguém, seu alguém, era um peso bom que ele precisava tirar das costas. Como um livro, ele carecia de um final. Amigo, você não vai acreditar - ele engoliu o medo e resolveu! Apesar da decepção que isso podia trazer a ele, o caminho agora estava livre para que ele seguisse, sem culpa, sem nada que o prendesse.
Fugir da dor, amigo, seria como andar em círculos. O caminho da vida é um só e, se você quiser prosseguir, precisa enfrentar os problemas, tirar o peso das costas. O fim da estrada continua no mesmo lugar, e só você pode chegar até ele - pois ele não fará o mesmo por você.
No fim, amigo, o chão estava cheio de fios de cabelo e minha cabeça estava do avesso. A coragem? Ainda procuro...


- Laila.