A pedido de uma amiga muito querida, estou colocando aqui o quarto capítulo do meu novo projeto. Mais uma vez, deixo registrado -
aqueles que se interessarem pela história ou que desejarem saber mais sobre ela, ou mesmo os que tiverem opiniões formadas, deixem nos comentários, eu vou adorar ler :)
"CAPÍTULO 4 - O LOBO E O CORDEIRO.
- Os resultados serão divulgados hoje - disse Hugo.
Marcelo olhou para o amigo, mas decidiu ficar quieto. Aquela era a quinquagésima vez que ele ouvia aquela frase desde o momento em que entrara na Academia, e a expectativa era desgastante - o país inteiro cobraria dele aqueles resultados, não apenas sua família. Talvez, num passado distante, as pessoas não precisassem corresponder às expectativas dos outros. Agora, porém, não havia alternativa.
Ele era, assim como seus amigos, um exatoide. Isso significava que ele devia resultados a todos, menos a si mesmo.
- Por que você fica repetindo isso? - questionou Bernardo, rompendo o silêncio - Todos sabem que nós três fomos classificados. Vocês ainda têm alguma dúvida?
Os três estavam sentados em uma das centenas de mesas do refeitório. Hugo deu de ombros para o posicionamento de Bernardo e deu uma mordida voraz no sanduíche vegetariano.
- Vocês souberam? - Bernardo insistiu - Uma menina da nossa sala foi rebaixada.
- Verdade? - Hugo ergueu os olhos, engolindo o que restava do sanduíche - Para qual classe?
- Humanas - disse o rapaz, erguendo o canto dos lábios em uma expressão de repulsa - Aparentemente, ela e o irmão mais velho tinham um mecanismo com o qual ele passava as respostas dos exercícios para ela.
- Quer dizer que ela ludibriou o sistema da Academia? - Marcelo estava surpreso.
- Sim! Imagine isto! - Bernardo estava eufórico - O histórico escolar dela vai ser destruído. A família dela queria escondê-la, mas no fim ela será mandada para aquela pocilga dos humanoides e jamais vai conseguir sair de lá.
De repente, os alunos que circulavam pelo refeitório correram para um dos corredores, em alvoroço. Os três rapazes foram atrás, e descobriram que os resultados das provas haviam acabado de sair no painel. Ao lado do nome de cada aluno, havia uma bolinha colorida. A cor azul era para os exatoides aprovados. A cor verde era para os alunos rebaixados para Biológicas. A cor vermelha era para os alunos rebaixados para Humanas.
O alívio percorreu as entranhas de Marcelo quando ele enxergou a bolinha azul ao lado de seu nome. Hugo e Bernardo partilharam da mesma sensação. Em todas as salas, algumas bolinhas verdes pipocaram. Os alunos rebaixados em questão tinham as cabeças baixas, alguns choravam.
Os inspetores da Academia estavam agrupando os novos bioloides para levá-los até o pátio principal, no qual receberiam um recado piedoso do diretor da instituição para que pudessem ser devolvidos aos pais - que deveriam realocá-los de acordo com sua nova classificação. Marcelo os observou, andando de cabeça baixa, seguindo os inspetores.
- D-deve ter havido algum engano - Marcelo ouviu um rapaz franzino ao seu lado murmurar - Eu sou um exatoide!
Ele acompanhou o olhar do rapaz até o respectivo nome, e viu a bolinha vermelha ao lado.
- Parece que não - disse outro rapaz, que, aparentemente, era da mesma sala do aluno rebaixado - Parece que você pertence à corja dos inúteis, aqueles que vivem na lama e comem carne de animais doentes.
Nos minutos seguintes, Hugo e Bernardo tiveram que levar Marcelo para longe dali, enquanto alguns exatoides aprovados chutavam o corpo caído do aluno rebaixado e cuspiam sobre ele. Era como ver um lobo se sobrepondo a um cordeiro - não parecia natural.
- Opa!
Os três perceberam que haviam dado um encontrão no diretor da Academia.
- Perdão, diretor - Hugo apressou-se em dizer - Já estávamos indo.
- Certo - disse o homem.
A simples presença dele ali inspirava respeito em qualquer ser vivo que estivesse próximo. Ele se virou para Marcelo por um instante e abriu um sorriso.
- Parabéns, meu rapaz - disse ele - Eu soube de seus resultados. Saiba que eu nunca esperaria menos de um filho de Euclides Aurelino em minha Academia.
O cérebro de Marcelo, porém, não absorveu aquelas palavras. Ele observou o diretor se afastar, enquanto sentia os tapinhas que seus amigos lhe davam nas costas e seus olhos encontravam, por alguns instantes, os olhos inchados do aluno rebaixado, que era arrastado dali por um inspetor.
Os olhos do humanoide fixaram-se nos dele por alguns segundos. Sangue escorria de seu nariz e de seus lábios, deixando uma trilha escura no caminho pelo qual ele era arrastado. Do outro lado do corredor, os gritos de satisfação dos exatoides que o haviam agredido. O cordeiro havia perdido a luta.
Os lábios ensanguentados dele formaram uma palavra, sem qualquer som, e por um único momento Marcelo pensou ter entendido.
Socorro. "
- Laila.